Desconsideração da Personalidade Jurídica frente a Lei da Liberdade Econômica.
- Stanley Menezes
- 23 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de abr. de 2021

Inicialmente, mostra-se necessário conceituar o termo Personalidade Jurídica, que em suma, pode ser entendido como a aptidão que determinada pessoa, Natural ou Jurídica, possui para adquirir direitos e contrair deveres inerentes aos atos da vida civil, como bem preleciona GONÇALVES:
[...] Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica.
A personalidade atribuída às Pessoas Jurídicas, especificamente, tem o intuito de incentivar o empreendedorismo e as relações mercantis e empresariais. Trata-se de uma ficção jurídica, promovida, em sua maioria, por pessoas naturais, para exteriorizar e materializar suas vontades no mundo real, de forma paralela e independente de seus constituintes.
Dessume-se, portanto, que a Pessoa Jurídica, na modalidade de empresa, é dotada de autonomia e responsabilidades inerentes a sua própria existência, sem se confundir com seus sócios, seja à título de responsabilidade e/ou patrimônio, podendo exercer direitos e contrair obrigações como qualquer pessoa natural, nos limites de sua capacidade.
Dito isso, buscando coibir a incidência de fraudes e abuso da autonomia empresarial, seja por desvio da finalidade proposta ou confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios, a personalidade jurídica da empresa poderá ser desconsiderada, como medida atípica e de extrema necessidade, fazendo com que as responsabilidades e obrigações contraídas por ela possam ser atribuídas diretamente ao seu quadro societário.
Nesta esteira, destaca-se que, a Desconsideração da Personalidade Jurídica não enseja a desconstituição da empresa, mas tão somente desvela sua personalidade jurídica para que sejam alcançadas as pessoas responsáveis por sua administração.
Destarte, o incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica que é fixado no art. 50 do Código Civil, foi recentemente alterado pela Lei nº 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, passando a vigorar com a seguinte redação:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§1º: Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§2º: Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§3º: O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica
§4º: A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§5º: Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Em uma breve análise ao teor das alterações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, infere-se que as modificações do art. 50 do Código Civil foram benéficas e, em certo ponto, necessárias, uma vez que apresentam conceitos mais abrangentes e objetivos dos quesitos ensejadores do incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Do ponto de vista do direito material, a antiga redação do referido diploma legal tratava das possibilidades de instauração do incidente quando reconhecido o desvio de finalidade empresarial ou a confusão patrimonial entre empresa e seus sócios, sendo que a análise de deferimento do pedido era dotada de um caráter de extrema subjetividade.
Além disso, em um contexto fático, antes da promulgação da Lei da Liberdade Econômica, se mostrava latente a complexidade probatória para instrução de eventual pedido de incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, ao passo que doutrina e jurisprudência caminhavam em sentidos dissonantes conforme cada caso concreto, fazendo com que o magistrado fosse o único responsável pela análise de viabilidade do deferimento do pedido.
Assim, com o advento da Lei nº 13.874/19, houve a implementação de um caráter objetivo aos requisitos condicionantes para configuração do incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, fazendo com que o quadro societário e a empresa, propriamente dita, tenham maior segurança acerca dos limites das suas respectivas responsabilidades, além de linearizar a jurisprudência no que tange a possibilidade de instauração do incidente, ora em análise.
Por fim, a Desconsideração da Personalidade Jurídica se mostra como uma medida atípica e emergencial, buscando coibir fraudes e abuso de poder. Sendo necessário destacar que a Lei nº 13.874/19 reforça a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a preservação da empresa, uniformizando o entendimento de que não pode ser instaurado o incidente de desconsideração da Personalidade jurídica sem o estrito cumprimento aos requisitos objetivos trazidos pelo novo teor do art. 50 do Código Civil de 2002.
REFERÊNCIAS
PLANALTO, Brasil. Código Civil. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 07/02/2021;
PLANALTO, Brasil. Lei nº 13.874/19. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 07/02/2021;
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol 2. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2007;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.




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